Folha de S. Paulo: Soprano que decidiu carreira ao assistir comercial de TV canta em SP

Apesar de ser um ponto de referência de como a diversidade tem, aos poucos, vencido as barreiras impostas a negros no universo operístico, Yende se esquiva de temas como racismo e sexismo.

Feature: Amanda Nogueira

Cerca de um minuto foi suficiente para Pretty Yende, 32, mudar completamente o rumo de sua vida e decidir se tornar uma cantora lírica. Ela se apresenta nesta terça (8) e quarta (9) na Sala São Paulo.

A sul-africana, filha de um taxista e de uma professora, estudava para se formar contabilista quando, aos 16 anos, assistiu a um comercial de TV da British Airways.

A propaganda, que estreou em 1989 e foi replicada nos anos seguintes, era embalada por uma versão de “The Flower”, dueto da ópera “Lakmé”, de Léo Delibes (1836-1891). No exótico drama do compositor francês, as vozes etéreas ecoavam o encontro do personagem-título com uma de suas serviçais à beira de um rio no Oriente para recolher flores.

Naquele que viraria um clássico publicitário, a obra ganhava roupagem aos moldes da new age pelo músico grego Yanni em um arranjo de Malcolm McLaren –conhecido por ter sido empresário do Sex Pistols.

Intrigada com aquela voz sobrenatural, a jovem foi procurar saber se aquilo era ao menos “humanamente possível”. Sim, teria lhe respondido um professor, aliás, aquilo tinha nome: ópera. Aquilo, no entanto, ainda era algo distante de seu cotidiano.

“Não foi fácil para meus pais, já que eu havia feito planos para um ’emprego de verdade’, mas sou muito grata a eles por terem me permitido voar para onde meu coração me levou”, diz Yende.

De imediato, passou a cantar em corais de igreja e, após um ano e meio, venceu um prêmio que a levou a ser admitida na Escola de Música Sul-Africana, na Cidade do Cabo. Lá, tornou-se pupila de Virginia Davids, primeira cantora lírica negra a se apresentar em uma ópera durante o período de apartheid.

Apesar de ser um ponto de referência de como a diversidade tem, aos poucos, vencido as barreiras impostas a negros no universo operístico, Yende se esquiva de temas como racismo e sexismo.

Não deixa, porém, de reconhecer que Davids teve parte significativa em sua “linda jornada”, como ela gosta de chamar sua carreira.

“Ela me ensinou a aceitar e amar o meu dom, a nunca me sentir pequena quando cercada por grandeza”, diz, sobre a professora. “Isso me coloca muito no chão, vendo como a indústria pode ser, ajuda a eliminar pressão desnecessária e limitações por me comparar com outras pessoas.” Ainda que acredite haver “espaço para todas as almas talentosas nesta Terra” e dispense comparações, Yende se mostra uma competidora nada tímida.

Em 2009, foi a primeira cantora a receber o prêmio máximo em todas as categorias da Belvedere Singing Competition, em Viena –ela repetiria o feito em 2011, nas competições Operalia.

“Foi uma confirmação do que eu estava procurando naquela época, de que de fato eu não estava errada em dar um voto de fé em direção à minha carreira operística.”

O prêmio histórico abriu-lhe as portas do italiano Teatro La Scala, em Milão, uma das casas mais renomadas do mundo quando o assunto é ópera, onde atuou até 2011.

Em 2013, foi ovacionada ao interpretar a condessa Adèle em “O Conde Ory”, de Gioachino Rossini (1792-1868), em montagem no Metropolitan Opera House, em Nova York.

Acompanhada pelo tenor mexicano Javier Camarena e pelo pianista cubano Ángel Rodriguez, ela encerra a curta série anual de concertos do Mozarteum nesta semana.

O programa é formado por obras de compositores italianos, como Vincenzo Bellini (1801-1835) e Gaetano Donizetti (1797-1848), que também figuram no álbum de estreia da soprano, “A Journey”, lançado em 2016.

Mesclada no repertório que escolheu para seu “debut” na indústria fonográfica está também sua própria versão para o dueto “The Flower”.

Amanda Nogueira